quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

O PLEBISCITO NO ESTADO DO PARÁ



Conforme já escrevemos, os direitos políticos nada mais são que instrumentos por meio dos quais se garante o exercício da soberania popular, atribuindo poderes aos cidadãos para interferirem na condução da coisa pública, seja direta, seja indiretamente
Dentre os institutos da democracia direta (soberania popular), destacamos, dentre outros, o plebiscito e o referendo.
Ao diferenciá-los, procuramos buscar os pontos de aproximação (semelhanças) e os pontos de distinção (diferenças). A semelhança entre eles reside no fato de ambos serem formas de consulta ao povo para que delibere sobre matéria de acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa.
A diferença está no momento da consulta: a) no plebiscito, a consulta é prévia, sendo convocado com anterioridade ao ato legislativo ou administrativo, cabendo ao povo, por meio do voto, aprovar ou denegar o que lhe tenha sido submetido à apreciação. Ou seja, primeiro consulta-se o povo, para depois, só então, a decisão política ser tomada, ficando o governante condicionado ao que for deliberado pelo povo; b) por outro lado, no referendum, primeiro se tem o ato legislativo ou administrativo, para, só então, submetê-lo à apreciação do povo, que o ratifica (confirma) ou o rejeita (afasta).
O art. 3.º da Lei n. 9.709/98 estabelece que nas questões de relevância nacional, de competência do Poder Legislativo ou do Poder Executivo, e no caso do § 3.º do art. 18 da CF (criação de Estados-membro), o plebiscito e o referendo são convocados mediante decreto legislativo, por proposta de 1/3, no mínimo, dos membros que compõem qualquer das Casas do Congresso Nacional.
Cabe lembrar que a competência de autorizar referendo e convocar plebiscito, de acordo com o art. 49, XV, da CF/88, é exclusiva do Congresso Nacional, materializada, como visto, por decreto legislativo.
Pois bem, isso posto, devemos destacar diversas questões que podem surgir em razão do plebiscito sobre a criação de novos Estados no território do atual Estado do Pará.
O Decreto Legislativo n. 136/2011 dispôs sobre a realização de plebiscito para a criação do Estado do Carajás, nos termos do inciso XV do art. 49 da Constituição Federal, enquanto, por sua vez, o Decreto Legislativo n. 137/2011 convocou plebiscito sobre a criação do Estado do Tapajós.
Interessante notar que foram os parlamentares os responsáveis pela definição do suposto novo desenho do atual Estado do Pará no caso de aprovação do plebiscito.
Ou seja, essa definição já chegará pronta para que a população do Estado responda no momento da consulta.
E quais poderiam ser os possíveis resultados do plebiscito?
Se o povo responder que não é a favor da separação para formação de novos Estados (desmembramento formação), o procedimento não seguirá, ou seja, a vontade negativa do povo vincula, não podendo, assim, jamais, o Parlamento aprovar eventual projeto de lei complementar criando os novos Estados contra a vontade negativa  manifestada no plebiscito.
Nesse sentido, parece-nos possível concluir que a democracia direta prevalece sobre a democracia representativa.
Agora, por outro lado, se a vontade do povo for no sentido favorável, o projeto de lei complementar poderá seguir a sua tramitação e, assim, o parlamento, com autonomia, avaliará a conveniência ou não da criação dos novos Estados.
Isso quer dizer que o Congresso Nacional terá total liberdade para não aceitar a criação dos novos Estados, até porque é o órgão político responsável pela avaliação e conveniência do novo desenho do Estado brasileiro.
E se a população autorizar o procedimento e o Congresso Nacional aprovar o projeto de lei complementar, o Presidente da República poderá vetar o projeto de lei?
Sim! Isso quer dizer que o Presidente da República terá autonomia para ir contra a vontade do povo. E, novamente, essa situação não tem qualquer empecilho, na medida em que o Chefe do Executivo, mesmo que eleito pelo povo, tem, em igual sentido, liberdade para avaliar a conveniência do novo “desenho”.
Avançando, o art. 18, § 3.º, CF/88, estabelece que os Estados podem desmembrar-se para formarem novos Estados mediante aprovação da população diretamente interessada, através de plebiscito, e do Congresso Nacional, por lei complementar.
E o que deve ser entendido como população diretamente interessada a ser ouvida no plebiscito?
Em 24.08.2011, o Plenário do STF decidiu, no julgamento da ADI 2650, que o plebiscito para o desmembramento de um Estado da federação deve envolver não somente a população do território a ser desmembrado mas a de todo o Estado-membro, no caso, a população de todo Estado do Pará.
Finalmente, devemos verificar o que acontecerá se o povo autorizar a criação do novo Estado, o projeto de lei complementar for aprovado pelo Congresso Nacional e o Presidente da República sancioná-lo, promulgando e determinando a publicação da nova lei que, efetivamente tratará do novo desenho do território nacional.
Nesse caso, de acordo com o art. 235 da CF/88, nos dez primeiros anos da referida criação, serão observadas as seguintes regras básicas:
  • a Assembleia Legislativa será composta de 17 Deputados se a população do Estado for inferior a seiscentos mil habitantes, e de 24, se igual ou superior a esse número, até um milhão e quinhentos mil;
  • o Governo terá no máximo 10 Secretarias;
  • o Tribunal de Contas terá 3 membros, nomeados, pelo Governador eleito, dentre brasileiros de comprovada idoneidade e notório saber;
  • o Tribunal de Justiça terá 7 Desembargadores;
  • os primeiros Desembargadores serão nomeados pelo Governador eleito, escolhidos nos termos do art. 235, V, “a” e “b”.
  • em cada Comarca, o primeiro Juiz de Direito, o primeiro Promotor de Justiça e o primeiro Defensor Público serão nomeados pelo Governador eleito após concurso público de provas e títulos;
  • até a promulgação da Constituição Estadual, responderão pela Procuradoria-Geral, pela Advocacia-Geral e pela Defensoria-Geral do Estado advogados de notório saber, com trinta e cinco anos de idade, no mínimo, nomeados pelo Governador eleito e demissíveis "ad nutum";
  • as nomeações que se seguirem às primeiras, para os cargos mencionados, serão disciplinadas na Constituição Estadual;
  • as despesas orçamentárias com pessoal não poderão ultrapassar cinquenta por cento da receita do Estado.
Resta aguardar a vontade soberana da população local, lembrando que o voto, na consulta, segue as regras para as eleições em geral, já que, no fundo, estamos diante de inegável exercício da soberania popular.

sábado, 3 de setembro de 2011

MORTE AO CADASTRO DE RESERVA

Nos termos do art. 37, II e III da CF/88, a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos que terá validade de até 2 anos, prorrogável, uma única vez, por igual período. Durante a validade do concurso, o inciso IV do referido artigo assegura a preferência de convocação dos concursados.
Nesse contexto, de maneira bastante completa, Hely Lopes Meirelles define o concurso público como “…o meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, fixados de acordo com a natureza e complexidade do cargo ou emprego, consoante determina o art. 37, II, da CF. Pelo concurso afastam-se, pois, os ineptos e os apaniguados que costumam abarrotar as repartições, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alçam e se matem no poder leiloando cargos e empregos Públicos” (Direito administrativo brasileiro, 30ª ed., Malheiros, 2005, p. 419 - grifamos).
Não restam dúvidas que o objetivo da regra constitucional é aniquilar qualquer forma de protecionismo ou favorecimento.
Pois bem, como todos sabem, as regras do concurso público devem estar minuciosamente descritas no Edital do Concurso, que passa a ser documento essencial para se atingir os ditames constitucionais, devendo a banca estar atrelada aos seus vetores.
Isso posto, surge a pergunta: o candidato aprovado em concurso público tem direito a nomeação?
O STF, em decisão extremamente importante, em 10.08.2011, decidiu, no julgamento do RE 598.099, que se a aprovação for dentro do número de vagas previsto no Edital e dentro do prazo de validade do concurso, o candidato terá sim o direito à nomeação.
Em suas palavras, o Min. Marco Aurélio bem define essa importante vitória dos Concurseiros do Brasil: “...o Estado não pode brincar com cidadão. O concurso público não é o responsável pelas mazelas do Brasil, ao contrário, busca-se com o concurso público a lisura, o afastamento do apadrinhamento, do benefício, considerado o engajamento deste ou daquele cidadão e o enfoque igualitário, dando-se as mesmas condições àqueles que se disponham a disputar um cargo”. “Feito o concurso, a administração pública não pode cruzar os braços e tripudiar o cidadão” (Notícias STF, 10.08.2011).
Como todos sabem, ao se publicar um Edital de Concurso, a administração provoca, dentre outras coisas, a mudança na vida do cidadão que confia na administração e se predispõe a buscar aquela tão sonhada vaga.
O impacto é brutal. Muitos alteram o curso de suas vidas em busca daquele grande sonho. As renúncias são inevitáveis. O isolamento, necessário e inerente à tomada de decisão, muitas vezes penitencial. Isso tudo leva as pessoas a testar os seus limites.
E, como se disse, o estopim dessa mudança de comportamento é a expectativa decorrente da abertura do concurso com a fixação do número das tão sonhadas vagas a serem preenchidas.
A Administração não pode “brincar” com a vida das pessoas. Se o candidato tem os seus deveres, e olha que são muitos, como horário, regras durante a prova e tantas outros, a Administração também deve estar atrelada aos termos do Edital.
Qualquer outro entendimento, sem dúvida, caracterizaria afronta à segurança jurídica, acarretando, por consequência, ultraje ao princípio da confiança (Treue und Glaube), destacando-se aqui um componente de ética jurídica aplicado às relações de direito público como já vinha sendo sustentado pelo STF (cf. MS 22.357, Rel. Min. Gilmar Mendes).
Dessa forma, podemos dizer que deverá haver uma inversão do ônus da prova para eventual não contratação por parte da Administração.
Ou seja, por regra, a Administração tem o dever de contratar nos termos do Edital e dentro do número de vagas previstos no Edital.
Diante de situações excepcionalíssimas, e apenas nessas circunstâncias, poderá, de maneira motivada (e, assim, passível de controle jurisdicional), deixar a Administração de honrar a expectativa criada.
Para o Min. Gilmar Mendes, essa excepcionalidade deve ser marcada por indispensáveis características, destacando-se: superveniência, imprevisibilidade, gravidade e necessidade.
Finalmente, fica o alerta: o princípio do concurso público tem força normativa e surge no texto de 1988 como destacada conquista da cidadania.
Portanto, não poderá ser desvirtuado, especialmente, agora, diante da importante decisão que reconhece o direito subjetivo à nomeação.
Então, em situações concretas e muito particulares, parece-nos possível vislumbrar eventual incompatibilidade entre o cadastro (desarrazoado) de reserva e a necessária observância ao princípio do concurso público.
Isso porque, se em tese não há vagas a serem preenchidas no momento da abertura do Edital, conclusão essa decorrente da decisão de a Administração abrir o concurso apenas para o cadastrado de reserva, caracterizado estará o nefasto desvio de finalidade.
Isso sem contar algumas situações em que concursos exclusivamente para o cadastro de reserva são feitos com propósitos meramente arrecadatórios (em total afronta à moralidade administrativa) ou diante de quadro de flagrante e brutal necessidade de preenchimento de vagas e contratação.
É algo que precisamos pensar melhor e rogamos que o cadastro de reserva não se transforme na regra dos certames.
Nessa linha, podemos lembrar a PEC 483/2010 que, alterando o art. 37, II, veda a realização de concurso público exclusivamente para a formação de cadastro de reserva.
Pois bem, apesar de o art. 12 do Dec. n. 6.944/2009 estabelecer a excepcionalidade do cadastro de reserva, a rotina dos “concurseiros” já é muito penosa para que, diante de tantas dificuldades, essa prática se torne mais um fator a agravar o desgastante sentimento de insegurança e incertezas. Então, sendo bem direto e com o máximo respeito: “morte ao cadastro de reserva!

domingo, 14 de agosto de 2011

MAIS UMA HOMENAGEM ESPECIAL (Feliz Dia dos Pais) – Apresentação à 15ª Ed. do “Direito Constitucional Esquematizado”

Gostaria de pedir novamente licença ao meu ilustre leitor e fazer mais um agradecimento que, apesar de particular, é, também, muito especial...
Com a graça de Deus (porque ter um filho é uma bênção), eu e a Má esperávamos nossa filha para o dia 20 de julho de 2010.
Apressadinha como os pais, no dia 25.05.2010, a pequena (literalmente, porque prematura), Manoela veio ao mundo.
Realmente, como muitos diziam, a minha vida mudou! Tudo é muito estranho e novo. Como é possível que aquele “tesouro” tenha saído da barriga da minha esposa.
Dizem que se parece um pouco comigo e, fico, mais ainda, impressionado como é a natureza.
E agora, pela primeira vez, estou vivenciando a emoção de ser pai... Que explosão de sentimentos. Realmente, o mundo fica paralisado quando eu fico olhando no olho dela...
Acho que tudo passa a fazer sentido. Tanta luta diária, tantas noites sem dormir (escrevendo, atualizando os livros, em solitário enclausuramento), tantos sonhos sonhados, agora, tudo passa a ter um significado.
Acho que consigo entender o verdadeiro sentido do amor incondicional dos pais com os filhos...
Realmente, a atualização desse ano exigiu muito. Foram 2 meses trabalhando quase 20 horas por dia. A pequena Manoela não entendia o que estava acontecendo. Desde que ela nasceu estávamos grudados.
Falava para ela sobre a minha missão e o compromisso que tenho com os meus ilustres “guerreiros” concurseiros. Não sei se ela entendia...
Explicava para ela que o papai logo voltaria a brincar. Que loucura isso tudo...Que dualidade. Que dificuldade.
Muitas vezes, de madrugada, beijava a Manu e a Má e era como se aquilo me desce mais forças. Quando, parecia que não conseguiria mais, eu pensava nas duas...pensava nos meus leitores que sei o que passam nessa fase tão difícil da vida. Pensava na minha responsabilidade e em cada aluno que vejo renunciando a tantas coisas.
Dizem que todo ser humano tem que plantar árvores, escrever livros e ter filhos. De fato, isso tudo já fiz, mas, se soubesse, decididamente, teria invertido a ordem!
Escreverei mais livros (essa a minha missão!) e plantarei mais árvores. Mas, para ser sincero, o que penso mesmo é ter mais um filho. E aconselho: não deixem que os projetos (muitos profissionais) sejam a única prioridade da vida. Ao lado de pessoas queridas, continuemos a sonhar os sonhos sonhados e, assim, a realizar os projetos idealizados. Sejamos felizes! A vida é curta...Obrigado Manu, por dar sentido a isso tudo. Obrigado Má, por ter me “dado” a Manu e, por estar ao meu lado, sempre acreditando nesse nosso sonho.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

O reconhecimento da união homossexual ou homoafetiva pelo STF e o seu inusitado desrespeito por juiz de primeira instância

Como se sabe, durante muito tempo, a doutrina classificou a união entre pessoas do mesmo sexo (parceria homossexual ou união homoafetiva) como ato inexistente, estando a matéria excluída do direito de família, devendo ser analisada como contrato de sociedade (art. 981, caput, do CC) e gerando apenas efeitos de caráter obrigacional.
Em várias manifestações, pudemos expor a nossa discordância em relação a esse posicionamento.
Isso porque, conforme expusemos em outros estudos, deve ser feita uma interpretação mais ampla do art. 226, § 3.º (que discorre sobre a união estável entre homem e mulher), à luz do caput, que prestigia a proteção da família, e, especialmente, do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III, da CF/88).
Nesse sentido, escrevemos que a união homoafetiva, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III — regra-matriz dos direitos fundamentais), do direito à intimidade (art. 5.º, X), da não discriminação, enquanto objetivo fundamental do Estado (art. 3.º, IV), da igualdade em relação ao tratamento dado à união estável entre um homem e uma mulher (art. 5.º, caput), deve ser considerada entidade familiar e, assim, ter o tratamento e proteção especial por parte do Estado, exatamente como vem sendo conferido à união estável entre um homem e uma mulher.
Conforme estabeleceu Maria Berenice Dias, mostra-se “… impositivo reconhecer a existência de um gênero de união estável que comporta mais de uma espécie: união estável heteroafetiva e união estável homoafetiva. Ambas merecem ser reconhecidas como entidade familiar. Havendo convivência duradoura, pública e contínua entre duas pessoas, estabelecida com o objetivo de constituição de família, mister reconhecer a existência de uma união estável. Independente do sexo dos parceiros, fazem jus à mesma proteção…”.[1]
Nesse sentido, o STF, em 05.05.2011, ao julgar a ADI 4277 e a ADPF 132, reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo.
Conforme compilado, “no mérito, prevaleceu o voto proferido pelo Min. Ayres Britto, relator, que dava interpretação conforme a Constituição ao art. 1.723 do CC para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família. Asseverou que esse reconhecimento deveria ser feito segundo as mesmas regras e com idênticas consequências da união estável heteroafetiva. De início, enfatizou que a Constituição proibiria, de modo expresso, o preconceito em razão do sexo ou da natural diferença entre a mulher e o homem. Além disso, apontou que fatores acidentais ou fortuitos, a exemplo da origem social, idade, cor da pele e outros, não se caracterizariam como causas de merecimento ou de desmerecimento intrínseco de quem quer que fosse. Assim, observou que isso também ocorreria quanto à possibilidade da concreta utilização da sexualidade. Afirmou, nessa perspectiva, haver um direito constitucional líquido e certo à isonomia entre homem e mulher: a) de não sofrer discriminação pelo fato em si da contraposta conformação anátomo-fisiológica; b) de fazer ou deixar de fazer uso da respectiva sexualidade; e c) de, nas situações de uso emparceirado da sexualidade, fazê-lo com pessoas adultas do mesmo sexo, ou não” (Inf. 625).
Observa-se que a decisão foi proferida em controle abstrato e, assim, produziu efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário.
Contudo, de maneira inusitada e totalmente equivocada, determinado Juiz em Goiás cancelou, de ofício e em suposto ato correcional, o reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo, determinando, ainda, que nenhum cartório pudesse assegurá-la.
Contra esse ato, a Corregedora-geral da Justiça em Goiás, avocando os referidos autos, tornou, também em decisão supostamente administrativa, sem efeito aquela prolatada pelo juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública Municipal e de Registros Públicos de Goiânia.
Sem analisar, nesse momento, a modalidade da cassação da decisão proferida, chamamos a atenção para o total desrespeito à ideia do efeito erga omnes, ex tunc e vinculante da decisão proferida pelo STF no controle abstrato, seja na citada ADI como na referida ADPF.
Em nenhum momento sugere-se que as decisões proferidas pelo STF devam ter a concordância de todos.
Contudo, a ideia do efeito vinculante é básica e, por esse motivo, totalmente inusitada a decisão proferida no sentido de se criticar e afastar a interpretação dada pela Suprema Corte que, em nosso sistema, é o Órgão que interpreta por último, estabelecendo a “força normativa” da Constituição.
O magistrado não está impedido de expor a sua não concordância com as decisões proferidas. Contudo, eventual entendimento pessoal não poderá jamais prevalecer sobre a interpretação final proferida pelo STF, podendo, no máximo, ser expresso como ressalva e sem qualquer caráter decisório.
Diante de toda essa problemática, ainda resta em aberto a possibilidade de o CNJ atuar no sentido de eventual punição ao magistrado.
A problemática precisará ser analisada com muito cuidado, lembrando que ao CNJ, nos termos do art. 103-B, § 4.º, compete apenas o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes.
Eis a polêmica a ser investigada: se a decisão proferida pelo juiz de Goiás tem natureza jurisdicional, contra ela deveria ter sido interposto o instrumento da reclamação e, assim, haverá dificuldade de sua punição administrativa pelo CNJ.
Claro que a situação seria diferente se o Juiz reiteradamente continuasse a desrespeitar as decisões proferidas pela Suprema Corte, o que não é o caso em análise. O tema, portanto, ainda está aberto...


[1] Maria Berenice Dias, União homossexual: o preconceito e a justiça, p. 97.

sábado, 7 de maio de 2011

A NOSSA “METODOLOGIA ESQUEMATIZADO”

Pedimos vênia ao nosso ilustre leitor para divulgar uma importante conquista e, ao mesmo tempo, agradecer, a todos, pela confiança.
Durante o ano de 1999, pensando, naquele primeiro momento, nos alunos que prestariam o exame da OAB, resolvemos criar um estudo que tivesse linguagem “fácil” e, ao mesmo tempo, conteúdo suficiente para as provas e concursos.
Depois de muita dedicação, “batizamos” o trabalho de Direito constitucional esquematizado, na medida em que, em nosso sentir, surgia uma verdadeira e pioneira metodologia, idealizada com base em nossa experiência dos vários anos de magistério, buscando sempre otimizar a preparação dos alunos, bem como atender às suas necessidades.
A metodologia estava materializada nos seguintes “pilares”:
·       esquematizado: verdadeiro método de ensino, em que a parte teórica é apresentada de forma direta, em parágrafos curtos e em vários itens e subitens. Por sua estrutura revolucionária, rapidamente ganhou a preferência nacional, tornando-se indispensável “arma” para os “concursos da vida”;
·       superatualizado: com base na jurisprudência do STF, Tribunais Superiores e na linha dos concursos públicos de todo o País, o texto encontra-se em consonância com as grandes tendências;
·       linguagem clara: a exposição fácil e direta traz a sensação de que o autor está “conversando” com o leitor;
·       palavras-chave (keywords): a utilização do azul possibilita uma leitura panorâmica da página, facilitando a recordação e a fixação do assunto. Normalmente, o destaque recai sobre o termo que o leitor grifaria com o seu marca-texto;
·       formato: leitura mais dinâmica e estimulante;
·       recursos gráficos: auxiliam o estudo e a memorização dos principais temas;
·       provas e concursos: ao final de cada capítulo, o assunto é ilustrado com a apresentação de questões de provas e concursos ou por nós elaboradas, facilitando a percepção das matérias mais cobradas, bem como a fixação do assunto e a checagem do aprendizado;
Inicialmente publicado pela Editora LTr, à época, em termos de metodologia, inovou o mercado editorial. A partir da 12ª edição, passou a ser editado pela Editora Saraiva, quando, então, tornou-se líder de vendas.
Realmente, depois de tantos anos de aprimoramento, com a nova “cara” dada pela Editora Saraiva, não só em relação à moderna diagramação mas também em razão do uso da cor azul, o trabalho passou a atingir tanto os candidatos ao Exame de Ordem quanto todos aqueles que enfrentam os concursos em geral, sejam da área jurídica ou mesmo aqueles de nível superior e médio (área fiscal), assim como os alunos de graduação e profissionais do direito.
Aliás, parece que a professora Ada Pelegrini Grinover anteviu, naquele tempo, essa evolução do Esquematizado.
Em suas palavras, ditas em 1999, “... escrita numa linguagem clara e direta, a obra destina-se, declaradamente, aos candidatos às provas de concursos públicos e aos alunos de graduação, e, por isso mesmo, após cada capítulo, o autor insere questões para aplicação da parte teórica. Mas será útil também aos operadores do direito mais experientes, como fonte de consulta rápida e imediata, por oferecer grande número de informações buscadas em diversos autores, apontando as posições predominantes na doutrina, sem eximir-se de criticar algumas delas e de trazer sua própria contribuição. Da leitura amena surge um livro ‘fácil’, sem ser reducionista, mas que revela, ao contrário, um grande poder de síntese, difícil de encontrar mesmo em obras de autores mais maduros, sobretudo no campo do direito”.
Atendendo ao apelo de vários “concurseiros” do Brasil, resolvemos, com o apoio incondicional da Editora Saraiva, convidar professores e autores das principais matérias dos concursos públicos, tanto da área jurídica como da área fiscal, para lançar a Coleção Esquematizado.
Metodologia pioneira, vitoriosa, consagrada, testada e aprovada. Professores com larga experiência na área dos concursos públicos. Estrutura, apoio, profissionalismo e know-how da Editora Saraiva — sem dúvida, ingredientes suficientes para o sucesso da empreitada, especialmente na busca de novos elementos e ferramentas para ajudar os nossos ilustres concurseiros!
Nós só temos que agradecer aos nossos ilustres leitores que confiaram em nosso trabalho e, agora, com muito entusiasmo, estão recebendo os novos autores da Coleção Esquematizado de braços abertos.
Nesse momento, seis obras já foram lançadas (civil, processo civil, penal especial, eleitoral, súmulas do TST e previdenciário) e muitas ainda estão por vir.
Sentimos um orgulho muito grande em saber que a metodologia lançada há 10 anos vem cumprindo e ajudando muitos na busca dos sonhos!
Assim, não temos dúvida que os trabalhos da nossa Coleção pela SARAIVA contribuirão para “encurtar” o caminho do ilustre e “guerreiro” concurseiro na busca do “sonho dourado”!
Sucesso a todos! Esperamos que a Coleção Esquematizado cumpra o seu papel. Novamente, em constante parceria, estamos juntos e aguardamos qualquer crítica ou sugestão.
Resta, então, novamente e sempre dizer: muito obrigado por tudo!
PEDRO LENZA

O SENADO FEDERAL É UM “MERO MENINO DE RECADO”?

O tema da abstrativização do controle difuso, atrelado ao da transcendência dos motivos determinantes da sentença (ratio decidendi) e à suposta mutação constitucional do art. 52, X, CF/88, vem ganhando relevante importância.
Nesse sentido, dois importantes precedentes se destacam, quais sejam:
·         o caso de “Mira Estrela”: RE 197.917/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 06.06.2002, Pleno, DJ de 07.05.2004, p. 8. Cf., ainda, Inf. 398/STF, ADI 3.345 e 3.365.
·         a discussão sobre a constitucionalidade da “progressão do regime na lei dos crimes hediondos”: HC 82959/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, 23.02.2006 (Inf. 418/STF).
Como se sabe, o sistema de controle de constitucionalidade no Brasil é o jurisdicional misto.
No controle difuso, a arguição de inconstitucionalidade se dá de modo incidental, constituindo questão prejudicial, enquanto que, por regra, no controle concentrado, a declaração de inconstitucionalidade é o pedido e não a causa de pedir.
A doutrina sempre sustentou, com Buzaid[1] e Grinover, que, “se a declaração de inconstitucionalidade ocorre incidentalmente, pela acolhida da questão prejudicial que é fundamento do pedido ou da defesa, a decisão não tem autoridade de coisa julgada, nem se projeta, mesmo inter partes — fora do processo no qual foi proferida”.[2]
Contudo, respeitável parte da doutrina e alguns julgados do STF (“Mira Estrela” e “progressividade do regime de cumprimento de pena nos crimes hediondos”) e do STJ (REsp 763.812/RS) rumam para uma suposta nova interpretação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade no controle difuso pelo STF.
Na doutrina, Gilmar Mendes afirma ser “... possível, sem qualquer exagero, falar-se aqui de uma autêntica mutação constitucional em razão da completa reformulação do sistema jurídico e, por conseguinte, da nova compreensão que se conferiu à regra do art. 52, X, da Constituição de 1988. Valendo-nos dos subsídios da doutrina constitucional a propósito da mutação constitucional, poder-se-ia cogitar aqui de uma autêntica ‘reforma da Constituição sem expressa modificação do texto’ (Ferraz, 1986, p. 64 et seq., 102 et seq.; Jellinek, 1991, p. 15-35; Hsü, 1998, p. 68 et seq.)”.[3]
Os principais argumentos a justificar esse novo posicionamento podem ser assim resumidos:
·         força normativa da Constituição;
·         princípio da supremacia da Constituição e a sua aplicação uniforme a todos os destinatários;
·         o STF enquanto guardião da Constituição e seu intérprete máximo;
·         dimensão política das decisões do STF.
Por todo o exposto, embora a tese da transcendência decorrente do controle difuso pareça bastante sedutora, relevante e eficaz, inclusive em termos de economia processual, de efetividade do processo, de celeridade processual (art. 5.º, LXXVIII — Reforma do Judiciário) e de implementação do princípio da força normativa da Constituição (Konrad Hesse), afigura-se faltar, ao menos em sede de controle difuso, dispositivos e regras, sejam processuais, sejam constitucionais, para a sua implementação.
O efeito erga omnes da decisão foi previsto somente para o controle concentrado e para a súmula vinculante (EC n. 45/2004) e, em se tratando de controle difuso, nos termos da regra do art. 52, X, da CF/88, somente após atuação discricionária e política do Senado Federal.
Assim, na medida em que a análise da constitucionalidade da lei no controle difuso pelo STF não produz efeito vinculante, parece que somente mediante necessária reforma constitucional (modificando o art. 52, X, e a regra do art. 97) é que seria possível assegurar a constitucionalidade dessa nova tendência — repita-se, bastante “atraente” — da transcendência dos motivos determinantes no controle difuso, com caráter vinculante.
Sustentamos (já que não nos filiamos à teoria da abstrativização) a possibilidade de se conseguir o objetivo pretendido mediante a edição de súmula vinculante, o que, em nosso entender, seria muito mais legítimo e eficaz, além de respeitar a segurança jurídica, evitando o casuísmo.
Lembramos que a súmula vinculante, para ser editada, deve preencher os requisitos do art. 103-A, como a exigência de reiteradas decisões sobre a matéria constitucional controvertida.
No mais, a segurança se completa com o quorum qualificado de 2/3 para a edição da súmula vinculante, mais seguro, para efeitos de abstrativização, do que o quorum normal do controle difuso que é o do maioria absoluta (art. 97).
Nessa linha, cumpre observar que o STF, consolidando o entendimento fixado no HC 82.959, no sentido de observância ao princípio da individualização da pena (art. 5.º, XLVI), editou, em 16.12.2009, com efeito erga omnes e vinculante, a SV n. 26/2009 (DJE de 23.12.2009), que tem o seguinte teor: “para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2.º da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico”.
O STF, editando referida súmula vinculante, tende a aceitar a tese sustentada por Sepúlveda Pertence e Joaquim Barbosa, na Rcl 4.335, que, infelizmente, ainda não foi julgada para definir, de vez, o posicionamento do STF sobre a mutação ou não do art. 52, X, no controle difuso. Entendemos que diante da segurança introduzida pela súmula vinculante, não parece razoável tornar o Senado Federal um “mero menino de recado”.
PEDRO LENZA


[1] A. Buzaid, Da ação direta de declaração de inconstitucionalidade no direito brasileiro, p. 23-24.
[2] A. P. Grinover, Controle da constitucionalidade, RePro 90/11. Nesse sentido, cf. Rui Barbosa, Actos inconstitucionais do Congresso e do Executivo ante a Justiça Federal, p. 99.
[3] G. F. Mendes, O papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade: um caso clássico de mutação constitucional, RIL, 162/165.