Deve-se deixar claro que a anistia não abole o crime (abolitio criminis), já que só será aplicada a fatos passados, estando, pois, fixada como uma das causas extintivas de punibilidade (art. 107, II, do CP).
O art. 21, XVII, CF/88, por sua vez, define que a competência para conceder anistia é da União, cabendo ao Congresso Nacional, por meio de lei e com a sanção do Presidente da República, dispor sobre a matéria (art. 48, VIII), regra essa completada pelo art. 22, I, que estabelece ser competência da União legislar sobre direito penal.
Diante dessas premissas, lembramos determinadas leis federais que concederam anistia aos policiais e bombeiros militares de determinados Estados, por terem participado de movimentos reivindicatórios.
Nesse sentido, o art. 2.º, tanto da Lei Federal n. 12.191, de 13.01.2010, como da Lei Federal n. 12.505, de 11.10.2011, estabeleceram que a anistia abrange não só os crimes definidos no Código Penal Militar, como as infrações disciplinares conexas, não incluindo os crimes definidos no Código Penal e nas leis penais especiais.
Fica claro, então, que a intensão do legislador, por meio de ato normativo federal, foi não só perdoar eventuais crimes militares praticados, como o motim (art. 149, CPM), a deserção (art. 187, do CPM), a desobediência (art. 301, CPM) etc., como, e o texto é expresso, supostas infrações administrativas, decorrentes de transgressões disciplinares, impossibilitando, pois, a imposição e aplicação de punições disciplinares, previstas nos Regulamentos das Forças.
Não há dúvida que a anistia estabelecida pela lei federal pode alcançar a infração penal militar, não havendo, para a hipótese, a fixação de iniciativa reservada ao Presidente da República, já que não consta tal matéria no rol do art. 61, § 1.º, I e II, da CF/88.
A questão que precisa ser decidida é se a lei federal poderia tratar de anistia a infrações disciplinares, supostamente praticadas por militares estaduais.
De acordo com o parecer da PGR na ADI 4377 (apresentado em 19.03.2010), no tocante a servidores estaduais, sugere-se a necessidade de se aplicar o art. 61, § 1.º, II, “c” e “f”, que, conforme vem entendendo o STF, determina a iniciativa exclusiva dos Governadores de Estado para disciplinar a matéria (imaginando que nas alíneas se enquadraria a anistia de infrações disciplinares de servidores estaduais), sob pena de se ferir o princípio federativo.
Um ponto não gera qualquer dúvida, qual seja, a perfeita possibilidade de lei federal estabelecer a anistia de crimes, inclusive de supostos crimes militares previstos no Código Penal Militar.
No tocante às supostas infrações disciplinares praticadas por servidores estaduais (militares estaduais, ou até mesmo os policiais civis), temos imaginado que, muito embora se reconheça a competência estadual para a matéria, desde que por lei de iniciativa reservada ao Chefe do Executivo, parece razoável sustentar, em concorrência, a possibilidade de ser concedida anistia também por lei federal do Congresso Nacional.
Isso porque, como as infrações decorrentes dos movimentos reivindicatórios caracterizam-se, em tese como crimes e, em sendo essas infrações disciplinares conexas com referidos ilícitos, parece lógico reconhecer não somente a competência estadual, como a da União, estabelecendo-se, então, um sentido mais amplo para o instituto da anistia. Nesse sentido:
“EMENTA: Anistia a funcionários civis e a elementos da força pública estadual. 1. No direito brasileiro, a palavra ‘anistia’ foi ampliada de sua acepção clássica e etimológica, para abranger também o cancelamento de débitos fiscais e de faltas disciplinares. Não há cláusula na constituição que impeça ao legislativo estadual regular os casos de anistia de penas disciplinares impostas aos servidores públicos, embora aplicada pelo executivo dentro da lei” (RP 696, Rel. Min. Aliomar Baleeiro, j. 06.10.66, Plenário, DJ de 15.06.67).
Não estamos defendendo que o ato normativo federal (ou mesmo estadual) possa assegurar ao militar a sindicalização e a “greve”, o que, inquestionavelmente, seria (flagrantemente) inconstitucional, por afronta ao art. 142, § 3º, IV. Também não estamos propondo que os policiais civis tenham o direito de greve, até porque o STF, no julgamento da RCL 6.568, entendeu tratar-se de atividades análogas às dos militares e, assim, não estendendo o direito de greve que havia sido fixado aos servidores públicos em geral no julgamento dos MIs 670, 708 e 712.
Contudo, diante de movimentos reivindicatórios, não podemos, especialmente dentro do Estado democrático de direito, impedir que o Estado perdoe (por ato de clemência) os atos praticados, seja por lei federal em que se conceda a anistia (em seu sentido mais amplo proposto e, assim, abrangendo os crimes e infrações disciplinares conexas – art. 48, VIII, não se exigindo a iniciativa reservada ao Chefe do Executivo), ou mesmo por lei estadual, cancelando as infrações disciplinares e, assim, dispondo sobre os seus servidores, civis e militares, devendo, nesse caso da competência estadual, referida lei ser de iniciativa reservada dos Governadores de Estado (já que o Estado não pode legislar sobre anistia – art. 21, XVII, sendo, então, o fundamento para a clemência outro, qual seja, os arts. 61, §, 1.º, II, “c” e “f”).
Finalmente, ampliando a argumentação, além da perspectiva mais ampla do instituto da anistia, havendo decisão política no sentido da clemência (perdão), o ato poderia abranger não apenas os crimes, mas, também, as infrações disciplinares conexas, na medida em que, quando a conduta praticada estiver tipificada em lei como crime ou contravenção penal, não se caracterizará transgressão disciplinar (vide, nesse sentido, art. 14, § 1.º, do Dec. 4.346/2002, que aprova o Regulamento Disciplinar do Exército – R 4 – e dá outras providências).
Essa parece ser uma solução para a questão que se coloca em relação às leis que concedem a anistia, seja para os supostos crimes como para as infrações disciplinares conexas decorrentes de participação em movimentos reivindicatórios.
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