Conforme já escrevemos, o efeito vinculante, seja
decorrente do controle concentrado (ADI ou ADC), seja, ainda, acrescente-se, em
razão da edição de súmula vinculante, seja em razão de aprovação de Resolução
por parte do Senado Federal (neste caso, não se aceitando a teoria da transcendência
no controle difuso, que ainda pende de apreciação pelo STF — cf. RCL 4.335), produzirá impacto sobre as
situações individuais (neste último caso da Resolução do SF, com efeitos, por
regra, não retroativos e, então, somente em relação aos processos que não
tenham transitado em julgado).
Estando em curso ação individual e sobrevindo decisão
em controle concentrado ou edição de súmula vinculante, ou Resolução do SF, o
juiz do processo individual, ainda não findo, ficará vinculado, devendo decidir
a questão prejudicial de inconstitucionalidade nos exatos termos do
estabelecido no processo coletivo. Isso decorre do efeito vinculante da decisão.
Sobrevindo decisão do processo individual em
desrespeito a entendimento prévio já fixado
em controle concentrado de constitucionalidade, com efeito ex tunc, vinculante e erga omnes, ou em desrespeito a súmula
vinculante ou a anterior Resolução do Senado Federal, parece razoável
sustentarmos a desconstituição da coisa julgada individual (posterior)
por ação rescisória e desde que dentro do prazo decadencial de 2 anos, com
fundamento no art. 485, IV, CPC, por ofensa a coisa julgada anterior (do
processo coletivo).
Por outro lado, modificando o STF o entendimento da
tese jurídica em controle concentrado ou vindo a editar súmula vinculante,
eventual sentença individual transitada em julgado (lembrando que se estiver
pendente de recurso o tribunal estaria também vinculado ao novo posicionamento)
caracterizar-se-á como sentença individual inconstitucional. Nesse caso, só se poderia pensar em desconstituição
da coisa julgada individual anterior por meio de rescisória, tendo por fundamento o art. 485, V, do CPC e se
afastando a regra fixada na S. 343/STF somente se a controvérsia for de natureza
constitucional, à luz do princípio
da força normativa da Constituição e do STF na condição de seu intérprete
final.
Contudo, para esta hipótese, a rescisória deve,
necessariamente, respeitar o prazo decadencial de 2 anos, que deverá ser
contado do trânsito em julgado da sentença individual, e não a partir da nova
posição do STF, sob pena de se caracterizar uma indesejável perpetuação da “Espada de Dâmocles” e violação aos princípios constitucionais da segurança jurídica e autoridade das decisões do Poder Judiciário.
Em outro sentido, havendo ato singular individual
anterior, além do prazo decadencial de 2 anos, com a ressalva da matéria penal
(revisão
criminal), a coisa julgada
individual deverá ser respeitada e o sistema terá de conviver com as sentenças
contraditórias.
Fora desta hipótese, a desconstituição da coisa
julgada só poderá ter por fundamento a colisão
com outros valores constitucionais, situação essa verificada à luz do
princípio da razoabilidade e proporcionalidade e se o magistrado
entender que o princípio da segurança jurídica
deva ser afastado, e em situações
excepcionalíssimas.
Nesse sentido, o STF, em decisão extremamente
relevante e inédita, aplicou a técnica da ponderação, mesmo depois de findo o
prazo da ação rescisória.
Tratava-se de recurso extraordinário interposto contra
acórdão proferido pelo TJDFT que acolheu preliminar de coisa julgada e
determinou a extinção de nova ação de investigação de
paternidade proposta em razão da agora viabilidade de realização do exame de
DNA, tendo em vista que a questão já estava decidida há mais de 10 anos!
À época, o recorrente, representado por sua genitora,
ingressou com ação de investigação de paternidade, cumulada com alimentos, que
foi julgada improcedente, por
insuficiência de provas. Sustentaram que o recorrente, no primeiro
julgamento, não tinha condições financeiras de custear o exame de DNA. Com a
promulgação da Lei Distrital n. 1.097/96, o Poder Público passou a custear o
referido exame.
No caso concreto, em situação excepcionalíssima, o STF
afastou a alegação de segurança jurídica para fazer valer o direito fundamental de que toda pessoa tem
de conhecer a suas origens (princípio
da busca da identidade genética), especialmente se, à época da decisão que
se procura rescindir, não se pôde fazer o exame de DNA.
A decisão foi tomada, em
02.06.2011, por 7 X 2, no julgamento do RE
363.889, concedendo à recorrente o direito de voltar a pleitear, perante o
suposto pai, a realização do exame de
DNA, tendo em vista que, na primeira decisão, muito embora beneficiária da
assistência judiciária, a recorrente não podia arcar com as suas custas para a
sua realização. Nesse sentido:
“EMENTA:
(...). 1. É dotada de repercussão geral
a matéria atinente à possibilidade da propositura de ação de investigação de paternidade, quando anterior demanda idêntica, entre as mesmas partes, foi julgada improcedente, por falta de provas, em razão da parte interessada não dispor de
condições econômicas para realizar o exame
de DNA e o Estado não ter custeado a produção dessa prova. 2. Deve ser relativizada a coisa julgada
estabelecida em ações de investigação de paternidade em que não foi possível
determinar-se a efetiva existência de vinculo genético a unir as partes, em
decorrência da não realização do exame de DNA, meio de prova que pode fornecer
segurança quase absoluta quanto à existência de tal vinculo. 3. Não devem
ser impostos óbices de natureza processual ao exercício do direito fundamental
à busca da identidade genética,
como natural emanação do direito de
personalidade de um ser, de forma a tornar-se igualmente efetivo o direito à igualdade entre os filhos,
inclusive de qualificações, bem assim o principio da paternidade responsável” (RE
363.889, Rel. Min. Dias Toffoli, Plenário, j. 02.06.2011, DJE de 16.12.2011).
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