terça-feira, 1 de maio de 2012

PRINCÍPIO DA BUSCA DA IDENTIDADE GENÉTICA: desdobramentos processuais – “relativização da coisa julgada” – novo posicionamento do STF


Conforme já escrevemos, o efeito vinculante, seja decorrente do controle concentrado (ADI ou ADC), seja, ainda, acrescente-se, em razão da edição de súmula vinculante, seja em razão de aprovação de Resolução por parte do Senado Federal (neste caso, não se aceitando a teoria da transcendência no controle difuso, que ainda pende de apreciação pelo STF — cf. RCL 4.335), produzirá impacto sobre as situações individuais (neste último caso da Resolução do SF, com efeitos, por regra, não retroativos e, então, somente em relação aos processos que não tenham transitado em julgado).
Estando em curso ação individual e sobrevindo decisão em controle concentrado ou edição de súmula vinculante, ou Resolução do SF, o juiz do processo individual, ainda não findo, ficará vinculado, devendo decidir a questão prejudicial de inconstitucionalidade nos exatos termos do estabelecido no processo coletivo. Isso decorre do efeito vinculante da decisão.
Sobrevindo decisão do processo individual em desrespeito a entendimento prévio já fixado em controle concentrado de constitucionalidade, com efeito ex tunc, vinculante e erga omnes, ou em desrespeito a súmula vinculante ou a anterior Resolução do Senado Federal, parece razoável sustentarmos a desconstituição da coisa julgada individual (posterior) por ação rescisória e desde que dentro do prazo decadencial de 2 anos, com fundamento no art. 485, IV, CPC, por ofensa a coisa julgada anterior (do processo coletivo).
Por outro lado, modificando o STF o entendimento da tese jurídica em controle concentrado ou vindo a editar súmula vinculante, eventual sentença individual transitada em julgado (lembrando que se estiver pendente de recurso o tribunal estaria também vinculado ao novo posicionamento) caracterizar-se-á como sentença individual inconstitucional. Nesse caso, só se poderia pensar em desconstituição da coisa julgada individual anterior por meio de rescisória, tendo por fundamento o art. 485, V, do CPC e se afastando a regra fixada na S. 343/STF somente se a controvérsia for de natureza constitucional, à luz do princípio da força normativa da Constituição e do STF na condição de seu intérprete final.
Contudo, para esta hipótese, a rescisória deve, necessariamente, respeitar o prazo decadencial de 2 anos, que deverá ser contado do trânsito em julgado da sentença individual, e não a partir da nova posição do STF, sob pena de se caracterizar uma indesejável perpetuação da “Espada de Dâmocles” e violação aos princípios constitucionais da segurança jurídica e autoridade das decisões do Poder Judiciário.
Em outro sentido, havendo ato singular individual anterior, além do prazo decadencial de 2 anos, com a ressalva da matéria penal (revisão criminal), a coisa julgada individual deverá ser respeitada e o sistema terá de conviver com as sentenças contraditórias.
Fora desta hipótese, a desconstituição da coisa julgada só poderá ter por fundamento a colisão com outros valores constitucionais, situação essa verificada à luz do princípio da razoabilidade e proporcionalidade e se o magistrado entender que o princípio da segurança jurídica deva ser afastado, e em situações excepcionalíssimas.
Nesse sentido, o STF, em decisão extremamente relevante e inédita, aplicou a técnica da ponderação, mesmo depois de findo o prazo da ação rescisória.
Tratava-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão proferido pelo TJDFT que acolheu preliminar de coisa julgada e determinou a extinção de nova ação de investigação de paternidade proposta em razão da agora viabilidade de realização do exame de DNA, tendo em vista que a questão já estava decidida há mais de 10 anos!
À época, o recorrente, representado por sua genitora, ingressou com ação de investigação de paternidade, cumulada com alimentos, que foi julgada improcedente, por insuficiência de provas. Sustentaram que o recorrente, no primeiro julgamento, não tinha condições financeiras de custear o exame de DNA. Com a promulgação da Lei Distrital n. 1.097/96, o Poder Público passou a custear o referido exame.
No caso concreto, em situação excepcionalíssima, o STF afastou a alegação de segurança jurídica para fazer valer o direito fundamental de que toda pessoa tem de conhecer a suas origens (princípio da busca da identidade genética), especialmente se, à época da decisão que se procura rescindir, não se pôde fazer o exame de DNA.
A decisão foi tomada, em 02.06.2011, por 7 X 2, no julgamento do RE 363.889, concedendo à recorrente o direito de voltar a pleitear, perante o suposto pai, a realização do exame de DNA, tendo em vista que, na primeira decisão, muito embora beneficiária da assistência judiciária, a recorrente não podia arcar com as suas custas para a sua realização. Nesse sentido:
“EMENTA: (...). 1. É dotada de repercussão geral a matéria atinente à possibilidade da propositura de ação de investigação de paternidade, quando anterior demanda idêntica, entre as mesmas partes, foi julgada improcedente, por falta de provas, em razão da parte interessada não dispor de condições econômicas para realizar o exame de DNA e o Estado não ter custeado a produção dessa prova. 2. Deve ser relativizada a coisa julgada estabelecida em ações de investigação de paternidade em que não foi possível determinar-se a efetiva existência de vinculo genético a unir as partes, em decorrência da não realização do exame de DNA, meio de prova que pode fornecer segurança quase absoluta quanto à existência de tal vinculo. 3. Não devem ser impostos óbices de natureza processual ao exercício do direito fundamental à busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade de um ser, de forma a tornar-se igualmente efetivo o direito à igualdade entre os filhos, inclusive de qualificações, bem assim o principio da paternidade responsável” (RE 363.889, Rel. Min. Dias Toffoli, Plenário, j. 02.06.2011, DJE de 16.12.2011).

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