I) Cabe súmula vinculante em matéria
penal?
De acordo com alguns
Ministros, se o tema fixado na súmula vinculante tratar de matéria penal e for
estabelecida interpretação menos benéfica, deveria ser aplicado o princípio da
irretroatividade. Assim, por exemplo, o Min. Celso de Mello entendeu que determinado
Tribunal estadual, que apreciava fato
ocorrido antes da edição de determinada súmula vinculante, não estava vinculado
ao seu conteúdo já que fora estabelecida interpretação mais gravosa (cf. voto vencido proferida na Rcl 7.358/STF).
Em certo sentido, chegou
a sustentar que a súmula vinculante seria como um “ato normativo” e, nesse
sentido, deveria ser aplicado o art. 5.º, XL, que estabelece que a “lei” penal
não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.
CUIDADO: esse entendimento, contudo, não vingou no STF.
De acordo com a Corte, a
regra a ser aplicada é a do art. 103-A, caput,
que estabelece que a súmula vinculante aprovada, ou a que venha a ser
modificada ou cancelada, terá efeito vinculante a partir de sua publicação na imprensa oficial.
Isso significa que, se
determinado Tribunal de segundo grau estiver analisando um recurso, ou o juízo
monocrático decidindo determinada questão em relação a fato praticado em momento anterior
à edição da súmula vinculante, deverá, necessariamente,
aplicar o entendimento firmado na
referida súmula, mesmo que se trate de matéria
penal e de interpretação menos
benéfico. Nesse sentido, confira:
“EMENTA: (...). Com efeito, a tese de que o julgamento dos
recursos interpostos contra decisões proferidas antes da edição da súmula não
deve obrigatoriamente observar o enunciado sumular (após sua publicação na
imprensa oficial), data venia, não se
mostra em consonância com o disposto no art. 103-A, caput, da Constituição Federal, que impõe o efeito vinculante a todos os órgãos do Poder Judiciário, a partir da
publicação da súmula na imprensa oficial. Desse modo, o acórdão do Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo, proferido em 10 de setembro de 2008, ao não
considerar recepcionada a regra do art. 127 da LEP, afrontou a Súmula Vinculante 09” (Rcl 7.358, Rel. Min. Ellen Gracie, j.
24.02.2011, Plenário, DJE de
03.06.2011).
Deixamos claro que a
vinculação se dá a partir da publicação
da súmula vinculante na imprensa oficial, conforme visto. Assim, todas as
decisões judiciais que vierem a ser
proferidas a partir de sua publicação, ou os atos administrativos, também
após a edição e publicação da súmula vinculante, deverão respeitar o
entendimento firmado, sob pena do cabimento de reclamação.
II) O
magistrado pode ser responsabilizado por desrespeitar súmula vinculante?
A
lei não fixou, ao menos explicitamente, qualquer sanção aplicável aos juízes em
caso de descumprimento de súmula vinculante, garantindo-se, como anotou o
Ministro Marco Aurélio, “a liberdade do magistrado de apreciar os elementos
para definir se a conclusão do processo deve ser harmônica ou não com o
verbete”.[3]
Contudo,
isso não significa que o magistrado jamais poderá ser responsabilizado em caso
do seu descumprimento.
Isso
porque, se o desrespeito ao efeito vinculante da súmula for infundado e reiterado, doloso e desproporcional entendemos que poderá
se caracterizar violação aos deveres
funcionais, viabilizando-se, assim, a abertura do competente procedimento administrativo disciplinar
com possíveis aplicações das penalidades legais.
De
acordo com o art. 2.º do Código de Ética
da Magistratura
impõe-se ao magistrado a primazia pelo respeito à Constituição da República e
às leis do País, buscando o fortalecimento das instituições e a plena
realização dos valores democráticos.
Como
se sabe, tanto a Constituição, como a Lei n. 11.417/2006, estabelecem que a
partir de sua publicação na imprensa oficial, a súmula vinculará os órgãos do Poder Judiciário.
Em
igual medida, o art. 35, I, da LC n.
35/79 (LOMAN), estabelece serem deveres do magistrado cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício.
Essa
questão chegou a ser “ventilada” no STF após analisar diversos habeas corpus contra decisões do STM que, contrariando entendimento da
Corte, que entende ser competência da Justiça Federal, continuava a aceitar a
competência da Justiça Castrense (Militar) para processar e julgar civis
denunciados pelo crime de falsificação da carteira de habilitação naval (CIR)
ou habilitação de arrais-amador.
Conforme
noticiado, os ministros que compõem a 2.ª T. do STF sugeriram que o Min. Celso
de Mello elaborasse proposta de súmula
vinculante (PSV) refletindo o entendimento pacificado, embora não sumulado,
de incompetência da Justiça Militar.
O
Min. Gilmar Mendes, muito embora tenha expressado a sua resistência para a
edição de súmulas vinculantes em matéria penal (apesar de possíveis), sustentou, para o referido caso, a sua
adoção, especialmente diante do risco de prescrição
em razão da demora no julgamento (em
razão do indevido encaminhamento dos autos para julgamento perante o STM e,
posteriormente, a remessa para a Justiça Federal) e, assim, a consequente impunidade.
Com
a edição da súmula vinculante esperam os Ministros cesse esse comportamento
reiterado do STM. Isso porque, conforme assinalou o Min. Lewandowski, “...o descumprimento de uma súmula vinculante de forma infundada e sem justificação pode ensejar a responsabilização do magistrado, porque é um ato de insubordinação” (Notícias
STF, de 13.09.2011).
[3] Notícias STF,
08.02.2007.