terça-feira, 1 de maio de 2012
SÚMULA VINCULANTE: DOIS TEMAS POLÊMICOS
I) Cabe súmula vinculante em matéria
penal?
De acordo com alguns
Ministros, se o tema fixado na súmula vinculante tratar de matéria penal e for
estabelecida interpretação menos benéfica, deveria ser aplicado o princípio da
irretroatividade. Assim, por exemplo, o Min. Celso de Mello entendeu que determinado
Tribunal estadual, que apreciava fato
ocorrido antes da edição de determinada súmula vinculante, não estava vinculado
ao seu conteúdo já que fora estabelecida interpretação mais gravosa (cf. voto vencido proferida na Rcl 7.358/STF).
Em certo sentido, chegou
a sustentar que a súmula vinculante seria como um “ato normativo” e, nesse
sentido, deveria ser aplicado o art. 5.º, XL, que estabelece que a “lei” penal
não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.
CUIDADO: esse entendimento, contudo, não vingou no STF.
De acordo com a Corte, a
regra a ser aplicada é a do art. 103-A, caput,
que estabelece que a súmula vinculante aprovada, ou a que venha a ser
modificada ou cancelada, terá efeito vinculante a partir de sua publicação na imprensa oficial.
Isso significa que, se
determinado Tribunal de segundo grau estiver analisando um recurso, ou o juízo
monocrático decidindo determinada questão em relação a fato praticado em momento anterior
à edição da súmula vinculante, deverá, necessariamente,
aplicar o entendimento firmado na
referida súmula, mesmo que se trate de matéria
penal e de interpretação menos
benéfico. Nesse sentido, confira:
“EMENTA: (...). Com efeito, a tese de que o julgamento dos
recursos interpostos contra decisões proferidas antes da edição da súmula não
deve obrigatoriamente observar o enunciado sumular (após sua publicação na
imprensa oficial), data venia, não se
mostra em consonância com o disposto no art. 103-A, caput, da Constituição Federal, que impõe o efeito vinculante a todos os órgãos do Poder Judiciário, a partir da
publicação da súmula na imprensa oficial. Desse modo, o acórdão do Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo, proferido em 10 de setembro de 2008, ao não
considerar recepcionada a regra do art. 127 da LEP, afrontou a Súmula Vinculante 09[1]” (Rcl 7.358, Rel. Min. Ellen Gracie, j.
24.02.2011, Plenário, DJE de
03.06.2011).[2]
Deixamos claro que a
vinculação se dá a partir da publicação
da súmula vinculante na imprensa oficial, conforme visto. Assim, todas as
decisões judiciais que vierem a ser
proferidas a partir de sua publicação, ou os atos administrativos, também
após a edição e publicação da súmula vinculante, deverão respeitar o
entendimento firmado, sob pena do cabimento de reclamação.
II) O
magistrado pode ser responsabilizado por desrespeitar súmula vinculante?
A
lei não fixou, ao menos explicitamente, qualquer sanção aplicável aos juízes em
caso de descumprimento de súmula vinculante, garantindo-se, como anotou o
Ministro Marco Aurélio, “a liberdade do magistrado de apreciar os elementos
para definir se a conclusão do processo deve ser harmônica ou não com o
verbete”.[3]
Contudo,
isso não significa que o magistrado jamais poderá ser responsabilizado em caso
do seu descumprimento.
Isso
porque, se o desrespeito ao efeito vinculante da súmula for infundado e reiterado, doloso e desproporcional entendemos que poderá
se caracterizar violação aos deveres
funcionais, viabilizando-se, assim, a abertura do competente procedimento administrativo disciplinar
com possíveis aplicações das penalidades legais.
De
acordo com o art. 2.º do Código de Ética
da Magistratura[4]
impõe-se ao magistrado a primazia pelo respeito à Constituição da República e
às leis do País, buscando o fortalecimento das instituições e a plena
realização dos valores democráticos.
Como
se sabe, tanto a Constituição, como a Lei n. 11.417/2006, estabelecem que a
partir de sua publicação na imprensa oficial, a súmula vinculará os órgãos do Poder Judiciário.
Em
igual medida, o art. 35, I, da LC n.
35/79 (LOMAN), estabelece serem deveres do magistrado cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício.
Essa
questão chegou a ser “ventilada” no STF após analisar diversos habeas corpus contra decisões do STM que, contrariando entendimento da
Corte, que entende ser competência da Justiça Federal, continuava a aceitar a
competência da Justiça Castrense (Militar) para processar e julgar civis
denunciados pelo crime de falsificação da carteira de habilitação naval (CIR)
ou habilitação de arrais-amador.
Conforme
noticiado, os ministros que compõem a 2.ª T. do STF sugeriram que o Min. Celso
de Mello elaborasse proposta de súmula
vinculante (PSV) refletindo o entendimento pacificado, embora não sumulado,
de incompetência da Justiça Militar.[5]
O
Min. Gilmar Mendes, muito embora tenha expressado a sua resistência para a
edição de súmulas vinculantes em matéria penal (apesar de possíveis), sustentou, para o referido caso, a sua
adoção, especialmente diante do risco de prescrição
em razão da demora no julgamento (em
razão do indevido encaminhamento dos autos para julgamento perante o STM e,
posteriormente, a remessa para a Justiça Federal) e, assim, a consequente impunidade.
Com
a edição da súmula vinculante esperam os Ministros cesse esse comportamento
reiterado do STM. Isso porque, conforme assinalou o Min. Lewandowski, “...o descumprimento de uma súmula vinculante de forma infundada e sem justificação pode ensejar a responsabilização do magistrado, porque é um ato de insubordinação” (Notícias
STF, de 13.09.2011).
[1] A partir da publicação da Lei n. 12.433/2011,
entendemos indispensável a revisão ou o cancelamento da SV n. 9/STF.
[2] Dentre outros precedentes, cf. Rcl 6.541 e Rcl 6.856,
Rel. Min. Ellen Gracie, j. 25.06.2009, Plenário, DJE de 04.09.2009.
[4] Aprovado na 68.ª
Sessão Ordinária do CNJ, do dia 06.08.2008, nos autos do Processo n.
200820000007337.
[5] Apenas para conhecimento da matéria, estabeleceu o
STF: “Competência – Justiça Militar versus
Justiça Federal stricto sensu – Crime
de falso – Carteira de habilitação naval de natureza civil. A competência para
julgar processo penal a envolver a falsificação de carteira de habilitação
naval de natureza civil é da Justiça
Federal, sendo titular da ação o MPF” (HC
90.451, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 05.08.2008, 1.ª, DJE de 03.10.2008). No mesmo sentido: HC 109.544-MC, HC 106.171, HC
104.619, HC 104.804, HC 104.617, HC 103.318, HC 96.561, HC 96.083, HC 110.237
etc.
PRINCÍPIO DA BUSCA DA IDENTIDADE GENÉTICA: desdobramentos processuais – “relativização da coisa julgada” – novo posicionamento do STF
Conforme já escrevemos, o efeito vinculante, seja
decorrente do controle concentrado (ADI ou ADC), seja, ainda, acrescente-se, em
razão da edição de súmula vinculante, seja em razão de aprovação de Resolução
por parte do Senado Federal (neste caso, não se aceitando a teoria da transcendência
no controle difuso, que ainda pende de apreciação pelo STF — cf. RCL 4.335), produzirá impacto sobre as
situações individuais (neste último caso da Resolução do SF, com efeitos, por
regra, não retroativos e, então, somente em relação aos processos que não
tenham transitado em julgado).
Estando em curso ação individual e sobrevindo decisão
em controle concentrado ou edição de súmula vinculante, ou Resolução do SF, o
juiz do processo individual, ainda não findo, ficará vinculado, devendo decidir
a questão prejudicial de inconstitucionalidade nos exatos termos do
estabelecido no processo coletivo. Isso decorre do efeito vinculante da decisão.
Sobrevindo decisão do processo individual em
desrespeito a entendimento prévio já fixado
em controle concentrado de constitucionalidade, com efeito ex tunc, vinculante e erga omnes, ou em desrespeito a súmula
vinculante ou a anterior Resolução do Senado Federal, parece razoável
sustentarmos a desconstituição da coisa julgada individual (posterior)
por ação rescisória e desde que dentro do prazo decadencial de 2 anos, com
fundamento no art. 485, IV, CPC, por ofensa a coisa julgada anterior (do
processo coletivo).
Por outro lado, modificando o STF o entendimento da
tese jurídica em controle concentrado ou vindo a editar súmula vinculante,
eventual sentença individual transitada em julgado (lembrando que se estiver
pendente de recurso o tribunal estaria também vinculado ao novo posicionamento)
caracterizar-se-á como sentença individual inconstitucional. Nesse caso, só se poderia pensar em desconstituição
da coisa julgada individual anterior por meio de rescisória, tendo por fundamento o art. 485, V, do CPC e se
afastando a regra fixada na S. 343/STF somente se a controvérsia for de natureza
constitucional, à luz do princípio
da força normativa da Constituição e do STF na condição de seu intérprete
final.
Contudo, para esta hipótese, a rescisória deve,
necessariamente, respeitar o prazo decadencial de 2 anos, que deverá ser
contado do trânsito em julgado da sentença individual, e não a partir da nova
posição do STF, sob pena de se caracterizar uma indesejável perpetuação da “Espada de Dâmocles” e violação aos princípios constitucionais da segurança jurídica e autoridade das decisões do Poder Judiciário.
Em outro sentido, havendo ato singular individual
anterior, além do prazo decadencial de 2 anos, com a ressalva da matéria penal
(revisão
criminal), a coisa julgada
individual deverá ser respeitada e o sistema terá de conviver com as sentenças
contraditórias.
Fora desta hipótese, a desconstituição da coisa
julgada só poderá ter por fundamento a colisão
com outros valores constitucionais, situação essa verificada à luz do
princípio da razoabilidade e proporcionalidade e se o magistrado
entender que o princípio da segurança jurídica
deva ser afastado, e em situações
excepcionalíssimas.
Nesse sentido, o STF, em decisão extremamente
relevante e inédita, aplicou a técnica da ponderação, mesmo depois de findo o
prazo da ação rescisória.
Tratava-se de recurso extraordinário interposto contra
acórdão proferido pelo TJDFT que acolheu preliminar de coisa julgada e
determinou a extinção de nova ação de investigação de
paternidade proposta em razão da agora viabilidade de realização do exame de
DNA, tendo em vista que a questão já estava decidida há mais de 10 anos!
À época, o recorrente, representado por sua genitora,
ingressou com ação de investigação de paternidade, cumulada com alimentos, que
foi julgada improcedente, por
insuficiência de provas. Sustentaram que o recorrente, no primeiro
julgamento, não tinha condições financeiras de custear o exame de DNA. Com a
promulgação da Lei Distrital n. 1.097/96, o Poder Público passou a custear o
referido exame.
No caso concreto, em situação excepcionalíssima, o STF
afastou a alegação de segurança jurídica para fazer valer o direito fundamental de que toda pessoa tem
de conhecer a suas origens (princípio
da busca da identidade genética), especialmente se, à época da decisão que
se procura rescindir, não se pôde fazer o exame de DNA.
A decisão foi tomada, em
02.06.2011, por 7 X 2, no julgamento do RE
363.889, concedendo à recorrente o direito de voltar a pleitear, perante o
suposto pai, a realização do exame de
DNA, tendo em vista que, na primeira decisão, muito embora beneficiária da
assistência judiciária, a recorrente não podia arcar com as suas custas para a
sua realização. Nesse sentido:
“EMENTA:
(...). 1. É dotada de repercussão geral
a matéria atinente à possibilidade da propositura de ação de investigação de paternidade, quando anterior demanda idêntica, entre as mesmas partes, foi julgada improcedente, por falta de provas, em razão da parte interessada não dispor de
condições econômicas para realizar o exame
de DNA e o Estado não ter custeado a produção dessa prova. 2. Deve ser relativizada a coisa julgada
estabelecida em ações de investigação de paternidade em que não foi possível
determinar-se a efetiva existência de vinculo genético a unir as partes, em
decorrência da não realização do exame de DNA, meio de prova que pode fornecer
segurança quase absoluta quanto à existência de tal vinculo. 3. Não devem
ser impostos óbices de natureza processual ao exercício do direito fundamental
à busca da identidade genética,
como natural emanação do direito de
personalidade de um ser, de forma a tornar-se igualmente efetivo o direito à igualdade entre os filhos,
inclusive de qualificações, bem assim o principio da paternidade responsável” (RE
363.889, Rel. Min. Dias Toffoli, Plenário, j. 02.06.2011, DJE de 16.12.2011).
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