sábado, 7 de maio de 2011

O SENADO FEDERAL É UM “MERO MENINO DE RECADO”?

O tema da abstrativização do controle difuso, atrelado ao da transcendência dos motivos determinantes da sentença (ratio decidendi) e à suposta mutação constitucional do art. 52, X, CF/88, vem ganhando relevante importância.
Nesse sentido, dois importantes precedentes se destacam, quais sejam:
·         o caso de “Mira Estrela”: RE 197.917/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 06.06.2002, Pleno, DJ de 07.05.2004, p. 8. Cf., ainda, Inf. 398/STF, ADI 3.345 e 3.365.
·         a discussão sobre a constitucionalidade da “progressão do regime na lei dos crimes hediondos”: HC 82959/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, 23.02.2006 (Inf. 418/STF).
Como se sabe, o sistema de controle de constitucionalidade no Brasil é o jurisdicional misto.
No controle difuso, a arguição de inconstitucionalidade se dá de modo incidental, constituindo questão prejudicial, enquanto que, por regra, no controle concentrado, a declaração de inconstitucionalidade é o pedido e não a causa de pedir.
A doutrina sempre sustentou, com Buzaid[1] e Grinover, que, “se a declaração de inconstitucionalidade ocorre incidentalmente, pela acolhida da questão prejudicial que é fundamento do pedido ou da defesa, a decisão não tem autoridade de coisa julgada, nem se projeta, mesmo inter partes — fora do processo no qual foi proferida”.[2]
Contudo, respeitável parte da doutrina e alguns julgados do STF (“Mira Estrela” e “progressividade do regime de cumprimento de pena nos crimes hediondos”) e do STJ (REsp 763.812/RS) rumam para uma suposta nova interpretação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade no controle difuso pelo STF.
Na doutrina, Gilmar Mendes afirma ser “... possível, sem qualquer exagero, falar-se aqui de uma autêntica mutação constitucional em razão da completa reformulação do sistema jurídico e, por conseguinte, da nova compreensão que se conferiu à regra do art. 52, X, da Constituição de 1988. Valendo-nos dos subsídios da doutrina constitucional a propósito da mutação constitucional, poder-se-ia cogitar aqui de uma autêntica ‘reforma da Constituição sem expressa modificação do texto’ (Ferraz, 1986, p. 64 et seq., 102 et seq.; Jellinek, 1991, p. 15-35; Hsü, 1998, p. 68 et seq.)”.[3]
Os principais argumentos a justificar esse novo posicionamento podem ser assim resumidos:
·         força normativa da Constituição;
·         princípio da supremacia da Constituição e a sua aplicação uniforme a todos os destinatários;
·         o STF enquanto guardião da Constituição e seu intérprete máximo;
·         dimensão política das decisões do STF.
Por todo o exposto, embora a tese da transcendência decorrente do controle difuso pareça bastante sedutora, relevante e eficaz, inclusive em termos de economia processual, de efetividade do processo, de celeridade processual (art. 5.º, LXXVIII — Reforma do Judiciário) e de implementação do princípio da força normativa da Constituição (Konrad Hesse), afigura-se faltar, ao menos em sede de controle difuso, dispositivos e regras, sejam processuais, sejam constitucionais, para a sua implementação.
O efeito erga omnes da decisão foi previsto somente para o controle concentrado e para a súmula vinculante (EC n. 45/2004) e, em se tratando de controle difuso, nos termos da regra do art. 52, X, da CF/88, somente após atuação discricionária e política do Senado Federal.
Assim, na medida em que a análise da constitucionalidade da lei no controle difuso pelo STF não produz efeito vinculante, parece que somente mediante necessária reforma constitucional (modificando o art. 52, X, e a regra do art. 97) é que seria possível assegurar a constitucionalidade dessa nova tendência — repita-se, bastante “atraente” — da transcendência dos motivos determinantes no controle difuso, com caráter vinculante.
Sustentamos (já que não nos filiamos à teoria da abstrativização) a possibilidade de se conseguir o objetivo pretendido mediante a edição de súmula vinculante, o que, em nosso entender, seria muito mais legítimo e eficaz, além de respeitar a segurança jurídica, evitando o casuísmo.
Lembramos que a súmula vinculante, para ser editada, deve preencher os requisitos do art. 103-A, como a exigência de reiteradas decisões sobre a matéria constitucional controvertida.
No mais, a segurança se completa com o quorum qualificado de 2/3 para a edição da súmula vinculante, mais seguro, para efeitos de abstrativização, do que o quorum normal do controle difuso que é o do maioria absoluta (art. 97).
Nessa linha, cumpre observar que o STF, consolidando o entendimento fixado no HC 82.959, no sentido de observância ao princípio da individualização da pena (art. 5.º, XLVI), editou, em 16.12.2009, com efeito erga omnes e vinculante, a SV n. 26/2009 (DJE de 23.12.2009), que tem o seguinte teor: “para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2.º da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico”.
O STF, editando referida súmula vinculante, tende a aceitar a tese sustentada por Sepúlveda Pertence e Joaquim Barbosa, na Rcl 4.335, que, infelizmente, ainda não foi julgada para definir, de vez, o posicionamento do STF sobre a mutação ou não do art. 52, X, no controle difuso. Entendemos que diante da segurança introduzida pela súmula vinculante, não parece razoável tornar o Senado Federal um “mero menino de recado”.
PEDRO LENZA


[1] A. Buzaid, Da ação direta de declaração de inconstitucionalidade no direito brasileiro, p. 23-24.
[2] A. P. Grinover, Controle da constitucionalidade, RePro 90/11. Nesse sentido, cf. Rui Barbosa, Actos inconstitucionais do Congresso e do Executivo ante a Justiça Federal, p. 99.
[3] G. F. Mendes, O papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade: um caso clássico de mutação constitucional, RIL, 162/165.

Um comentário:

  1. Respeitável a sua posição, mas a utilização da Súmula Vinculante não quer dizer que vá legitimar a abstrativização do controle difuso de constitucionalidade. Das SV até agora editadas, vê-se que algumas delas, a exemplo da SV 13, não houve a legitimidade desejada ( e prevista na CF) para sua edição.

    Creio que nada impede de se utilizar a tese da abstativização do CDC,e deixar o Senado com a função de simples publicidade, desde que com moderação, ou seja, não pode o STF substitui-se ao legislativo, com suas "correções de texto legislativo" - mas tudo é reflexo de que o congresso vai mal, mal no sentido de não cumprir seu papel como legislador "de qualidade e boa técnica" - pois enquanto tiver esse deficiência, os holofotes estarão em direção ao STF. Entra-se no congresso pensando - já no primeiro dia - na reeleição.

    Parabéns pelo seu trabalho, nos "os mortais" agradecemos.

    ResponderExcluir